paralelo A ,meridiano B







à Rosarinho 

( no dia em que nasceu
8 de Abril de 1978 )






criança de estômago de fome
de coração vazio
de olhos sem rumo
         -moscas que teimam morar em sua boca

velho de mãos grossas
de pele curtida
de olhos cansados
        -suor de terra rasgada

mancebo em corpo de Apolo
de vida por viver
de olhos e força
        -sensualidade que desconhece

um estoiro seco
um deslizar rápido ,muito rápido
        e da boca do menino corre um fio de sangue

um troar longe ,um silvo
um deslizar com rasto
        e na confusão resta o corpo do velho estropiado

na exuberância da cor
o cheiro acre da química
        e o grito como rasgo do mancebo morto

        esquecimento para o menino que não foi homem
        para o homem que não foi menino
        para o mancebo que não foi herói

corpos sem nome e sem rosto
que te visarão

        a ti que encontras no teu estatuto
a desculpa da ignorância
        .a ti que encontras na tua ambição
ou em qualquer nacionalismo
a razão da distinção de nascimento
        .a ti que encontras no livro sagrado
a palavra que deus não disse e
        até a ti que
em cadeira de genuíno couro
em mesa de fino ébano
em sala climatizada
em enésimo andar personalizado e
directo
contarás as sete moedas

        canto para além do amor
        canto para além da dor
        este DEVER
               DIZER
               que o acordar
               cheira a flores de campo
               a terra chuvida
               a transparências de azul
               a calor de sol
               .que o erguer tem força de viver
               que o viver
               tem o fogo do saber e
               o saber
               tem a chama do amanhã
               a justificar o SER





christian martin weiss





epílogo




















"guerra ,GUERRA"





CANTO actual






SENTI NAS MINHAS MÃOS
OS TEUS CABELOS
A ESCORREGAR
PELOS MEUS DEDOS E
O PASSEIO QUE ELES
FIZERAM NO TEU CORPO

A CURVA
DAS TUAS SOBRANCELHAS

A FORÇA
DAS TUAS PÁLPEBRAS

A FIRMEZA
DOS TEUS LÁBIOS

A SEGURANÇA
DO TEU QUEIXO

A DELICADEZA DE
TUDO O QUE SE SEGUIA

.FORAM BOAS

AS HORAS
QUE FICÁMOS A OLHAR
OS NOSSOS CORPOS

.FOI BOM
TODO ESSE TEMPO

.MAS FOI MUITÍSSIMO BOM
TERMOS SEGUIDO
ATÉ ONDE NOS ENCONTRAMOS







naoto hattori





o signo






quando o vazio
chegar
pintará de negro as palavras
.soltam-se
as amarras
em busca do significante

o princípio
o conflito
o fim






naoto hattori





engano






explorei em linha recta
a paridade minha e tua

               ( equívoco! )

comprovei a real dilação
que nos separa da lua






naoto hattori





Cantiga de algum Maldizer






numa cidade ao sul
há narcisos esquizóides
que se escondem
em estrofes de poesia diletante
onde regorjeam fantasmas
de pequenos
grandes
Eus

               sabes que aqui
               o tempo é sempre de passagem?





naoto hattori





a inveja






para lá das palavras e das máscaras
há solidões remissíveis
iníquas invejas
verdades omitidas
onde amora o medo
fora de cada um de nós

para lá dos actos e das ambivalências
há silêncios subservientes
onde nada se transforma ou
nasce
porque nada tem sentido
fora de cada um de nós

para lá das cátedras e dos doutos
há desertos permanentes
onde levitam
duendes
como anversos
fora de cada um de nós

são náufragos em viagem
e sem direcção assistida






naoto hattori





alter ego






no princípio era o verbo               o Ser
o tímbalo               e o cravo
belo
cavo
mas o iníquo conjecturar
o ágneo ajuizar
a
l
h
e
i
o
adveio
               l
               o
               u
               c
               o
quando
o sonho persistente
revestiu nossa presença
silente





naoto hattori





breves notas para um dueto






dói-me sentir o tempo
que não é mais um outro tempo
o tempo das coisas simples
ou de alegres madrigais
.dói-me ser no momento
não antes o nosso tempo
tempo do verbo vigente
ausente nunca demais
.dói-me não sermos sempre
o instante em que o tempo
é apenas o presente
de um adeus ou nunca mais





naoto hattori





espelhos convexos






quem somos nós que ousamos os deuses?
quem somos nós que tememos os tritões?
sofisma de mim
ausências de nós
fantasmas de ópera
máscaras sem voz

quem somos nós que adulamos os cógnitos?
quem somos nós que receamos o grito?
presenças errantes
silentes loucuras
imagens inócuas
vaidades obscuras

quem somos nós que niilisamos conceitos?
quem somos nós que silenciamos os outros?
espaços sem tempo
paradigmas do medo
sombras chinesas
torturante degredo





naoto hattori





regresso (im)possível






talvez um dia eu regresse
revestida de igual entusiasmo
na génese do nosso projecto
dual
.talvez um dia eu regresse e
reencontre a inocência
dos nossos passos iniciais
.a ascese
o onírico êxtase do silêncio
deixou em teus olhos
cansados
a dúvida endémica
com que vestes os madrigais
.talvez um dia eu regresse
para reescrever o poema
incompleto
na plenitude do nosso sonho
global
.talvez um dia eu regresse
para te dizer
quão breve
quão relativo
é tudo isto e
quão vazias são as palavras
.talvez um dia eu regresse
para saudar o sagrado
profano existir
do nosso devir
.talvez um dia eu regresse





naoto hattori





Cantiga de Amor






vem ,meu amor ,corroer o pensamento dos deuses e
fazer de seus desígnios
projectos invictos ,reais ,nossos
.vem brincar com os duendes e
construir imagens ,claridades

               ( o mundo
               para além do nosso quarto
               é uma construção bizarra )

vem ,meu amor ,recriar o infinito
levantar os olhos
brincar com as estrelas e mergulhar no mar
.vem ,de manhã ,ao acordar
ser o outro lado do sonho

a realidade





naoto hattori





Cantiga de Amigo






escrevi-te em surdina
versos brancos de um poema

               ( palavras/ausências
               falências/encontros
               revestidos de raiva
                              de ternura
                              incontida )

perdeste-o no lastro
esse poema só nosso

               ( escrito
               construído
               rasgado
               omitido )

meu amigo ,meu amigo
agora que quero
achá-lo e mandá-lo

               não posso
               não digo





naoto hattori





(in)confidência






reencosto-me no teu peito
à procura de abrigo e
encontro-me nos teus braços
            protegida
quando me abraças e murmuras
            AMO-TE

nos lençóis que descobrem
os nossos corpos
toco o teu sexo
enlaçada
na fúria do desejo
            desp(edi)ida

somos
O MOMENTO
            sublime
do encontro
         (com)sentido





naoto hattori





elegia ao amor






um traço     um abraço
esquema     verso     poema
( criança     volume     espaço )
o mar     o amor
ausente     presente     sempre






naoto hattori





epígrafe


















quarta fase

"LECTOR IN FABULA"





...






...
...



agora
entendam a pateada



...
...





désirée dolron





...






( lugar à multidão que comenta
              quando
se ouve a voz do POETA )





hoje
não
.podem bater à porta que não respondo
.hoje
é tempo
do entendimento entre homens e bichos

venham todos amanhã
mas hoje
não
.hoje
podem bater à porta que não respondo





désirée dolron





...






anoitece
exactamente na noite




( no poscénio aparece
              uma mulher de negro )




se os ratos vierem
não os deixem roer
              tudo
.guardem as palavras
              e
construam cidades

porque
o sol
nunca será um palhaço de luz





désirée dolron





...






entardece
exactamente na tarde




( procura actuar a consciência )




              um relógio de mesas velhas
              comenta
              com um jornal de cinema

viver e ser coerente
querer e saber ser livre
( nas grades do tempo
              não
destruam presenças
              mas
respeitem as reticências )





désirée dolron





...






amanhece
exactamente na manhã




( em cena uma criança ,só )




dentro de mim guardo o sol
trago na boca o livro e o rito
traduzo a incerteza do Universo

não acreditam?
pronto
já sei que não sei desenhar





désirée dolron





...






localização cénica


uma província
               ( sem espaço )
uma cidade
              ( cansaço )
um café
              ( devasso )
uma casa
              ( sem aço )



...



              ( que entrem os actores
e
representem
no palco da VIDA )





désirée dolron





...






actores



um relógio
um jornal
uma mesa
um café
um cinema
uma criança
uma mulher
uma consciência



figurantes



uma multidão
(in)
satisfeita
(que)
gesticulando
age





désirée dolron





...






acendam as luzes





...
...


( à boa maneira portuguesa
o orgão eléctrico
não
comparece )


...
...





désirée dolron



epígrafe





















terceira fase


"COMÉDIA EM TRÊS DESACATOS

OU


um exercício sobre


um poema de Carlos de Oliveira"





a força da razão







vai
da dúvida sem degredo
do ontem feito de medo
do sono
leito de Orfeu
ser no acordar
              ( ausente )
                            a verdade do teu Eu

vai
da angústia concreta
do teu liceu de meninos
de alguém mulher e amante
ser na idade
              ( presente )
                            a razão do Imprudente





lili roze





Setembro de 1978






( ainda aos meus Alunos )






meninas vestidas
              de vento
arizonas de intempéries
              -não são breves
              e
              ( lamento )
de vossas ausências
              forçada

meninos despidos
              de tempo
Brighella e Arlequim
              -não são breves
              e
              ( lamento )
de vossas presenças
             apartada






lili roze





Janeiro de 1976






( aos meus Alunos )







ontem
como hoje
              vim à escola
              e fiquei
presa a um rosto de criança

              será teu presente-futuro
              do meu passado-distância?

eu
que continuo partida
rumo
              à estrela polar

              -porque te guardo em silêncio
              menino feito de mar?






lili roze





ao Duarte





( no dia em que nasceu 
,17 de Maio de 1975 )






exigirás do universo
o teu perfil do mundo

              ( onde nasceste e
              vives )

geraram-te
entre representações simbólicas

              ( quando as armas
              apontavam os corações )

perguntam
que olhos serão os teus?
-azuis ,castanhos?
que cor será a tua?
-moreno ,claro?

              responde
              -que importa
              -se
              -um homem só vive quando luta?
              -se
              -a liberdade é casa devoluta?





lili roze





diálogo entre mim e o eu






( ou a carta não escrita a um amigo )




são 2h15 da manhã
não tenho sono
fumo e
 dói-me a cabeça
.tento aproveitar o tempo
leio
sem perceber as palavras
.queria escrever-te
sem pensar
deixar correr
as letras pelo papel
.cruzam-se ideias
sentimentos
pequenos nadas
feitos de gestos
de (f)actos que foram correndo
ao longo do tempo
.viro-me e
-MERDA
incomoda-me o relógio

-afinal ,menina
o que é que queres?
-continuo sem sono e
queria dizer-l...
-deixa-me dormir
-não ,não adormeças

-achas que a cidade é azul e
que as pessoas são verdes?

-por favor
deixa-me dormir

-tenho fome
se viesses comigo
fazia-te uma tosta
um cachorro quente
,queres?
-NÃO
.quero dormir

são 3h20 da manhã
continuo a ouvir
o relógio
.leio as palavras que não escrevi
fumo o cigarro que não tinha
como a tosta que não fiz
sento-me e

-afinal a minha cidade não é azul
as pessoas não são verd...
-cala-te
-só com uma condição
-diz!
-acordas-me
se o sol nascer?

às 7h30 da manhã
o sol nasceu
-acorda!
.abri os olhos
sorri e
saí...

...dentro de casa
o telefone
continua a tocar






lili roze





a vertigem e a palavra






todo o espaço dou
ao espelho vivo
quando no vazio
te sinto
-silêncio de vertigem
ou pausa côncava?
-de onde nasces
se morres em azul?
-és palavra
ou corpo unido em nada?

( amorosa confusão
que perco e acho )

à beira do saber
uma boca toco
                         sou
no beijo-facto
um já querer





lili roze





em Cascais ,minha vontade de fado






procurei colher as pedras da poesia
               no grito branco das guitarras

              ( enquadrada no tempo)

sacudi o fócil dos marialvas
              num gesto sem nexo
              numa recusa evidente
              num todo como reflexo

procurei rasgar com unhas de vento
              o abraço quente do poema

              ( pendurada no espaço )

atirei ao lixo da baía
              a ternura partilhada
              o soluço incontido
              a imagem desfocada





lili roze





reflexo






serei apenas o nexo
            duma ida sem partida
ou serei antes reflexo
            duma vida mal vivida?

                               não te sinto
                              -porque gritas?
                               não te sinto
                              -acredita!

                     sou passagem
                     sou lamento
                     sou segredo
                     quando dói
                     .sou aragem
                     sou momento
                     sou ácido
                     porque corrói






lili roze





hesitação






regresso a mim
                               e
sinto-me cansada
.um vazio inoperante
toca-me o corpo
enlaça-me
.penso
finjo que leio
                               e
oiço música

( VIVO NUM MUNDO PARALELO )

alguém se aproxima
                               e
senta
.é o sol
-astro-
-calor-
que me abraça
                               e
seduz

( POBRE SOL ,MÚSICA DE MIM )

conversa
com um copo vazio
três pedras de gelo
                               e
diz-lhes
estou morto

( DEVOLVAM-ME A AVENTURA )





lili roze





Março de 1973






escondes em forma de mulher
a génese em teu ventre rosa
                         exílio forçado
                          fruto perdido
em infinitos areais de espera





lili roze





afirmo tua presença






quero
seu corpo selvagem
seu sentir de vagamundo
sua estrada de passagem
seu sereno estar no mundo

                               disse-me a estrela polar

( sorrindo
vou respondendo )

                               foi
                               tempo de poesia
                               foi
                               universo de mar
                               fui
                               pauta de sinfonia
                               fui
                               rota de marear






lili roze





mulher






pintores do medo
vós que fazeis
a tolerância
servida
da mulher-objecto
não decalqueis
meu esqueleto
no equívoco
artrítico
dos vossos dedos

fui
o minuto
do subsequente
a dúvida
emprestada
da vossa insónia
.fui
o acrílico
do pré-fabricado
o possível
impossível
da vossa certeza

prisioneiros do ontem
vós que servis
o círculo
empoado
da Poesia
não inventeis
meus complexos
no degredo
incerto
dos vossos códigos

sou
o cinzel
da igual-valia
a imprudência
prudente
do vosso sono
.sou a abcissa
do consciente
o epílogo
selado
da vossa fraqueza

serei
a jogada
do inverosímil
a sílaba
liberta
da vossa palavra





lili roze





Cântico






 ( homenagem a José Régio )




nasci
quando o fruto se abriu em semente
quando a noite rasgou o ventre de minha mãe
.trazia
o vagido fechado das primeiras pancadas
os pés abertos no cordão que me cortaram
.contei
cada segundo que passava do acto em que nasci
                               ( como se adivinhasse que
                               correriam sobre os meus olhos
                               pisariam os meus ossos ou
                               cuspiriam a minha carne crua )
.corri
pendurada nas hastes do tempo
pelos lagos da minha infância
.suguei o tutano viscoso das palavras
o sentido da REVOLTA e
guardei
as minhas ambições nas prateleiras
duma biblioteca quadrada
.assisti
à dança macabra das freiras
enfeitadas com colares de espanto
.saí
de mim
dos compêndios riscados com borronas
das sebentas bentas pelos lentes e
vomitei
de nojo
.corri
as ruas duma cidade infecta
desfraldei
bandeiras rubras de sangue
soltei
temporais de vento norte
descobri
o amor mecânico das prostitutas
abri
os olhos no sono dos homossexuais
pisei
as mãos dos mortos
amei
com os dedos carregados de ternura
precisei
um mundo de beleza e
senti
no corpo
o gosto acre da derrota
.descansei os meus olhos sem lágrimas
devorei
livros ,teorias ,ensaios e filmes
vivi
as guerras ,as bombas de napalm
percorri
os caminhos de Mao a Ho-Chi-Min
embosquei
a raiva na morte de Che Guevara
alvorocei
cidades condenadas
ensinei
crianças famintas de cultura e fome
senti
a calúnia tomar forma de mulher

então vi
meu corpo caminhar sem medo
minha boca falar por si
minha razão tomar razão
meus pés andarem sem bengalas e
meus braços sem muletas

despi-me
rindo com todos os dentes
no pudor dos enterrados precoces e
FIZ-ME






lili roze





nascitura est






          nasci
                         quando               
         afirmei
       sem interferência

           "SOU FILHA DA TERRA
               NÃO TENHO CREDO NEM PARAGEM"






lili roze





recado






vai
sem disfarce ,POESIA
dizer a todos os homens
nascidos antes de mim
                             -obrigada companheiros

vai
LIBERTA ,prisioneira
altiva ,humilde
cativa
          e
           diz à Natália Correia
           diz ao Pablo Neruda
           diz ao José Gomes Ferreira
           diz a qualquer homem da rua
que adormeci em teus braços
quando me embalaste ,Poesia

vai
eco de minha voz
dizer que deles nasci
nua
     impúdica
                   mas
                         a saber porquê





lili roze







epígrafe





















segunda fase

"RECADO AOS POETAS SEM TEMPO"





Beja






( a vida tomou a forma da pequena cidade
naquele ano em que a morte se organizou )








agarrei 
as praças ,a humanidade ,os montes
procurando
encontrar os outros
na vida que deixou de ser a minha
.porque era preciso sorrir
sorri
a tudo o que me mostravam
a todos os que me ensinavam
.mas
a quem tudo comprava
mostrei que não tinha preço

                               ( acenderam-se velas em todos os altares
                               das igrejas dentro da cidade )

abri
os olhos e vi
que por falta de espaço
o meu lugar não era ali
.era urgente gritar e
gritei
às praças ,à humanidade ,aos montes
que desfizessem o abraço
na morte que me teciam

                               ( apagaram-se velas em todos os altares
                               das igrejas dentro da cidade )

parti
trazendo dentro de mim
o silêncio dos montes
o gosto acre da terra queimada






christian martin weiss





Armação de Pêra






repito sensitivamente o mesmo gesto
num pequeno almoço eterno
quando
a urbanização os grandes conjuntos
me atira
ao espaço reduzido da areia
.depenico esta ilha de autómatos
onde
os corvos edificam os ninhos e
as gaivotas denunciam os marginais
.passo os dedos por frias estátuas de carne
representando gestos de impaciência

                               ( bocas escancaradas na calúnia
                               são o presente do verbo ouvir
                               .mesas consumidas na canasta
                               são as bicas aquecidas da rotina )

vejo-as coaguladas no tempo que não fazem
alinhadas em toalhas

                               ( são resíduos dum pôr de sol cinzento          
                               sustentáculos petrificados
                               .são ocupações fragmentadas
                               dum intelecto que não funciona )

mergulho nesta ilha de autómatos
e
sinto-me como um feto
conservado num frasco de fenol





christian martin weiss





Silves ,mito ou realidade?






chegada ( partida )
a um amontoado de casas
perguntei

que mundo é este
que mundo
fantasmagórico
surrealista
cómico
suposto que se aceita por prudência?

julgo
que os seus habitantes
provieram dos répteis e
estes dos peixes
.mas quando tal afirmo
prefiro desfocar a origem
desta metamorfose

                               DETERMINISMO E LIBERDADE
                               DESCONTINUIDADE E AFRONTAMENTO
                               MUDANÇA E NOVIDADE

são palavras desconexas
neste presente histórico

                               ( mas deixemo-nos ficar por aqui )

sentimo-nos bem
sentimo-nos bem

nós outros os sábios
neste fixismo que nos leva a comentar
os outros os não sábios

sentimo-nos bem
sentimo-nos bem

                               eternamente convencidos
                               eternamente inebriados
                               eternamente dissimulados
                               eternamente supostos
                               eternamente castos
                               eternamente limitados
                               eternamente condenados
às realidades de um folhetim de rádio
duma colcha de croché
dum baralho de cartas
dum jornal de véspera
da política local
do enxoval da filha por casar ou
dos amores ilícitos da vizinha

o nosso dormir é inocente
o nosso ressonar é puro

porque nos havemos de preocupar
com a miséria do mundo?

                               nós só queremos uma boca para falar
                               uma fêma para amar
                               uma lista para votar
                               uma malha para fazer
                               um copo para beber
                               um osso para roer
                               um deus para pedir
                               uma cama para dormir
                               uma calúnia para repetir
                               um vestido para vestir
                               e tudo o mais é política

de novo chegada
a este amontoado de casas
prédios    ruas    ruelas
amados   e    desalinhados

pergunto

que mundo é este
que mundo
que estrabucha e
não vive?






christian martin weiss





III






nunca fomos carneiros
camuflados
temerosos
somos a força do vento
voluntários
corajosos
somos a massa anónima
obreira
resistente
dum País a construir





christian martin weiss





II






minha recusa do nada
levanta-se
liberta e
vai

como bala certeira
dum ideal não corrupto
como palavra de ferro
numa boca que não cala

             ( e ai daquele que ousar
              chamar-me reaccionária )

minha verdade não tem preço
minha vontade não cede
hei-de continuar presente
arma pronta a disparar
como eu somos milhões
braços erguidos no ar






christian martin weiss





trilogia revolucionária - I






vendilhões dos tempos
revolucionários
de última hora
demagogos
inventados

          acuso-vos

              -quem vos deu o direito
              de destruir o sorriso das crianças?

fariseus do meu país
guerrilheiros
de cartilha
teóricos
parasitas

          recuso-vos

              -quem vos passou procuração
              para jogar com a vida dos homens?

senhores mercenários
de partidos
oportunistas
copiados
dissidentes

          aponto-vos

              -quem vos consentiu as palavras
              com que queimais as searas?






christian martin weiss





jogo de xadrez






seremos apenas peões
simples jogo de xadrez
ou
continuaremos ausências
presenças de quando em vez?

meu país de marinheiros
minha cinza de fogueira
onde estão meus companheiros
quem roubou nossa bandeira?

                               vejo Outonos
                               sinto Invernos
                               quando ainda existíamos
                               quando não petrificados
                               ninguém nos demovia

quem escreverá nosso nome
em rituais de verdade?

                               porque POVO
                               somos pássaros
                               cativos
                               em LIBERDADE






christian martin weiss





(ru)minando






quem construiu meu leque de certezas?
quem mastigou minha maçã às dentadas?
ontem
subi montanhas a pique
desci a vala dos renegados
fui campo
hoje
sou toupeira
.deixem-me enterrar os mortos
.deixem nascer faróis de espanto
em meus dedos ávidos de justiça
.porque demoram?
.peguem minha mão rubra de tinta e
abatam o gado do mercado vida





christian martin weiss





2ª fase






estou farta
de ouvir
“patos" grasnarem política

                               ( profetas )

                              -quem vos conhecia?

foram silêncios
na luta
foram medo
em recortes

ontem
cansei-me
de os esperar
hoje
farto-me
de perguntar

                               ( oportunos)

                              -quem vos quer?





christian martin weiss





1ª fase







quis
erguer bandeiras rubras em meus braços
universos azuis em minhas mãos
florestas brancas em meus pés
como
hidra solta em mar cativo

quis
reter
vivências novas em meus olhos
palavras claras em meus lábios
espaços livres em minha mente
na voragem absurda do meu país





christian martin weiss





a explicação que se impõe







este blogue/livro ou "caderno de apontamentos" ,de certo modo ,é um repertório de memórias .de memórias escritas ,ao longo de quatro fases ,distintas no tempo e nos seus conteúdos poéticos .também ,de certo modo ,traça o meu percurso ,como autora ,ao longo dos anos .foi assim que comecei ,num período já distante ,no entanto ,bem datado - 1960 ,e ,décadas de 70 ,80 e 90 do séc. XX

de anteriores rabiscos ,não re.tenho memórias ( pelo menos ,não as “encontro” )

a primeira fase  morte e génese de um país - contém alguns textos que escrevi antes e logo após o 25 de Abril e que me definem como cidadã e como a autora que fui
a segunda - recado aos poetas sem tempo - reflecte as minhas primeiras influências ,quiçá ,poéticas e define-me como pessoa na década de 70 ,do século passado
a terceira - comédia em três desacatos ou um exercício sobre um poema de Carlos Oliveira - relembra um prémio que a minha obra mereceu
a quarta lector in fabula - é de certo modo uma súmula de cantares de amigo ,de escárnio e maldizer escrita com muito amor ,amizade e algum desdém

assim fiz-me ,escriba ,em textos ( cabe ,agora ,ao leitor/autor definir-me ) mais ou menos breves .daqui voei ,tendo ,todavia ,o cuidado de preservar as minhas raízes escreventes

deixo-as ao sabor de quem as quiser por companheiras…






epígrafe

























primeira fase

“MORTE E GÉNESE DE UM PAÍS”